Desoneração é um tiro no escuro?

Retorno da medida que reduz os custos trabalhistas para a indústria, anunciada na última terça-feira, é contestada por especialistas em emprego e em contas públicas
A desoneração na folha de pagamento de 56 setores foi anunciada na última terça-feira sem que tivesse sido formado o comitê que avaliaria os efeitos da primeira fase da medida, iniciada em 2011, como prometeu o governo ainda naquele ano. Sem essa análise, não há como avaliar se a desoneração teve o retorno esperado — de manutenção ou geração de vagas de trabalho e de redução dos custos trabalhistas que pudesse ser revertida em investimento.
Pesquisador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), José Roberto Afonso tem se debruçado no tema nos últimos anos.
“Quando foi criada a desoneração da folha, como medida bem localizada e temporária, foi dito que era um laboratório. Que seria examinado com critério o impacto da desoneração no volume de emprego, na massa salarial, na produção e nas exportações dos setores beneficiados. Foi até criada uma comissão tripartite para fazer esse acompanhamento”, conta.
Ele acrescenta, no entanto, que nunca viu uma avaliação do governo ou da comissão sobre tais resultados. “Essa comissão, até onde eu soube, nunca recebeu uma estatística oficial do governo. Na verdade, isso já deveria ter sido feito antes mesmo da inclusão das outras dezenas e dezenas de setores, que não obedecem a qualquer lógica. Sem essa avaliação dos resultados, o que fica parecendo é que o anúncio de terça-feira não passa de uma medida apenas com finalidade eleitoral”, critica Afonso.
Pelas contas dos fabricantes de máquinas e equipamentos, reunidos na Abimaq, a medida representa uma folga de 2 a 3 pontos percentuais no faturamento das empresas.
Além da reclamação contra a falta de transparência, especialistas questionam a validade da desoneração da folha considerando que o cenário atual é de pleno emprego. Portanto, não haveria motivo de preocupação com o mercado de trabalho, argumento utilizado pelo governo para justificar o benefício dado ao setor produtivo.
Já os economistas especializados em contas públicas analisam os meios pelos quais a União irá compensar o orçamento de 2015, após o Tesouro Nacional abrir mão de R$ 21,6 bilhões — se com a criação ou ampliação de impostos ou com cortes de gastos. Entre todos os especialistas, o que predomina, entretanto, é a crítica de que faltou a exigência de contrapartida da indústria em investimento.
O temor é que a desoneração funcione apenas como mais um instrumento de acúmulo de lucros, do que de geração de empregos, melhorias salariais e ganhos de competitividade, alerta o professor do Instituto de Economia da Unicamp Claudio Dedecca. “Caberia às empresas aproveitar essa possível folga no orçamento para melhorar suas condições competitivas e de produção. Assim, teríamos efeitos favoráveis para os salários. O que provavelmente ocorrerá, no entanto, é um uso da folga para a acumulação de lucros pelas empresas, dada a fragilidade do governo em negociar com os empresários, já que não foi demandado nada para eles”.
Em consulta realizada no início do ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com representantes de 13 setores beneficiados pela desoneração, 63% dos empresários disseram ter aumentado o número de contratações por causa da renúncia fiscal neste ano. Quase dois terços dos entrevistados também afirmaram que as exportações aumentaram ou irão aumentar por conta da medida. Sobre os investimentos, 42% disseram ter conseguido resultados positivos.
Um dos segmentos beneficiados pela desoneração, o setor calçadista declarou que, com a folga nas receitas propiciada pela medida, foi possível aumentar em 28% os investimentos no parque produtivo e em pesquisa e desenvolvimento nos últimos dois anos.
“De 2011, quando foi implementada a medida, até 2013, a indústria deu um salto nos investimentos realizados (passou de R$ 521 milhões para R$ 668 milhões). Além disso, é importante ressaltar que, mais importante ainda do que o recurso para investimento, a redução deste custo possibilitou a formação de preços mais competitivos”, informou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, Heitor Klein. Ele diz ainda que “a desoneração contribuiu para que, ao menos, conseguíssemos manter empregos num período turbulento”.
fonte: http://brasileconomico.ig.com.br/brasil/economia/2014-05-29/desoneracao-e-um-tiro-no-escuro.html

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